"Devo tomar a vacina da COVID-19?" e as perguntas que toda a gente tem

Dec 2020

O que é a vacina da COVID-19?

Atualmente existem pelo menos 60 vacinas para a COVID-19 em várias fases de testagem pelo mundo fora. Todas estas vacinas têm o objetivo de gerar imunidade duradora ao SARS-CoV-2 (o vírus que causa a doença COVID-19), impedindo que a pessoa que a tomou contraia a doença.

Como é que as vacinas funcionam?

As vacinas aproveitam o conhecimento que existe sobre o nosso sistema imunitário de forma a “ensiná-lo” o que fazer quando entrar em contacto com um determinado agente infeccioso.

O “truque” que as vacinas usam é baseado na nossa resposta imunitária adaptativa:

Esquema da resposta imunitária (por Webridge —CC BY-SA 4.0)

Quando o nosso corpo é confrontado com alguma substância ou organismo que considera “estranho” é desencadeada a nossa resposta imunitária. No gráfico vemos uma representação da intensidade da nossa resposta imunitária, em função do tempo.

Quando é a primeira vez que o nosso corpo deteta um determinado organismo, este precisa de um tempo para fabricar anticorpos e células específicas para esta nova ameaça. Estas células identificam o agente infeccioso tão especificamente como se ele tivesse um código de barras colado e são capazes de o distinguir do resto do nosso corpo.

O facto desta resposta não ser imediata dá margem ao invasor para se multiplicar e causar danos no nosso organismo. O lado bom é que, se o corpo sobreviver ao ataque, consegue guardar algumas das células que fabricou para o eliminar para o caso de ser confrontado com o mesmo invasor no futuro (seta verde). Nesse caso é possível ver o quão mais rápida e eficaz é a resposta a esse invasor, sendo que esses dias que se ganha podem ser a diferença entre a vida e a morte. A esta capacidade que o sistema imunitário tem de ser recordar de infeções passadas chamamos de memória imunitária.

Ao sermos vacinados, um “falso intruso” entra no nosso corpo. Uma substância que se parece com o intruso original, mas que não tem a capacidade de gerar uma doença. O nosso corpo pensa que está a ser atacado e produz anticorpos e células imunitárias que tanto são capazes de atacar o “falso intruso” como o intruso original, sendo que após uns dias ficamos com algumas dessas células na nossa memória imunitária. É por o nosso sistema imunitário entrar em “modo de combate” que nos sentimos doentes depois de sermos vacinados, gerando a desconfiança que “apanhamos a gripe da vacina da gripe” mas na verdade é tudo parte da resposta natural do nosso corpo a algo novo a entrar. As vacinas não têm a capacidade de transmitir a doença a quem as toma.

Porque é que estas novas vacinas são diferentes das outras?

Crédito: Vincent Ghilione via Unsplash

Apesar das vacinas usarem a mesma lógica que falei antes, existem várias maneiras diferentes de desencadear a tal resposta imunitária. Tradicionalmente, a forma comum é através de vírus inativados, que são em tudo semelhantes ao vírus original, só que perderam a capacidade de infetar as células. No entanto, os avanços na biotecnologia permitiram que se encontrem formas mais eficazes, eficientes e seguras de se fazerem novas vacinas. Que têm a particularidade não envolvem manipulação do vírus/bactéria que causa a doença. A essas novas abordagens chamamos vacinas de nova geração. Algumas vacinas para a COVID-19 usam estas novas técnicas, como é o caso das vacinas de mRNA.

O que é que é esse tal de “mRNA” que tanto tenho ouvido falar?

Crédito: National Cancer Institute via Unsplash

O RNA (ou ARN, que significa ácido ribonucleico) é uma biomolécula muito semelhante ao DNA (ou ADN, que significa ácido desoxirribonucleico) e apesar de parecer ter um nome futurista, é uma molécula que o nosso corpo produz e utiliza milhões de vezes ao longo do dia para as nossas funções vitais. Se o nosso DNA é o nosso “manual de instruções” onde a nossa informação hereditária é armazenada, o RNA é como se fosse a fotocópia da página que precisamos de ler agora. Essa “fotocópia” é depois lida para gerar moléculas que o nosso corpo necessita nesse momento, de acordo com as instruções que contém. O RNA que está envolvido nessa função específica de transmitir a a informação genética de um local para o outro é chamado de RNA mensageiro, ou mRNA.

O nosso organismo utiliza a informação que consta no mRNA para produzir as moléculas que precisamos para sobreviver. O mRNA que consta nas vacinas foi desenhado especificamente para ter a informação de uma parte que identifica o vírus ao nosso organismo (como se fosse um código de barras). Ao ser injetado no nosso corpo, este trata-o como todo o outro mRNA e fabrica a tal proteína que identifica o vírus. Essa proteína é depois identificada pelo nosso sistema imunitário e origina a tal memória imunitária.

Estão a mudar a minha informação genética?

Da autoria do National Cancer Institute via Unsplash

Não de todo, o mRNA é uma molécula que é muito instável, ou seja, degrada-se com muita facilidade. Depois de o nosso corpo a utilizar para produzir a molécula que o mRNA codifica, este é destruído. O mRNA das vacinas não tem a capacidade de alterar os nossos genes porque esse seria um processo muito mais complexo. Uns dias depois de sermos inoculados, já não existe mRNA da vacina no nosso organismo, apenas fica a memória imunitária.

A vacina é segura?

Da autoria dos CDC via Unsplash

O mRNA, tal como outras técnicas de desenvolvimento de vacinas, é algo que já está a ser investigado há vários anos. A descoberta do mRNA remota a 1961 e os seus usos no contexto da vacinação já são estudados há largos anos, só só pela indústria, como por institutos de investigação independentes e universidades.

Todas as vacinas passam por um rigoroso processo que visa testar a eficácia da vacina, e descobrir eventuais efeitos indesejados. As vacinas são dos fármacos mais altamente regulados pelo facto de serem administrados a indivíduos saudáveis, o que faz mais pressão na análise custo-benefício. No processo de desenvolvimento de novas vacinas não estão apenas envolvidas farmacêuticas, mas sim empresas de Biotecnologia (por exemplo a BioNTech, na vacina em colaboração com a Pfizer) e institutos académicos de investigação (por exemplo a Universidade de Oxford na vacina em colaboração com a AstraZeneca). Já no processo de teste e regulamentação, estão envolvidos médicos e cientistas que ativamente monitorizam os pacientes nos estudos, divulgam à comunidade científica e são vigiados pelas entidades reguladoras, como é o caso da Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

A vacina da COVID-19 foi feita à pressa?

Da autoria dos CDC via Unsplash

As vacinas da COVID-19 a serem autorizadas pelas autoridades europeias devem passar por todos os mesmos processos que todas as outras vacinas passarem e cumprir os mesmos requisitos de eficácia e segurança. Pode parecer que foi apressado, mas o rápido desenvolvimento da vacina deveu-se essencialmente ao facto de haver muitas entidades interessadas no seu desenvolvimento e muitos indivíduos suscetíveis que se voluntariaram para a testar. No final do dia, uma doença altamente contagiosa e que está espalhada pelo mundo torna todo o processo muito mais rápido porque é simplesmente mais fácil de ter condições para a testar. Aliás, o desenvolvimento das substâncias a serem inseridas na vacina é a parte mais rápida de todo o processo, o que demora a grande maioria do tempo é sim os testes em laboratório, em linhas celulares, depois em outros animais, e depois em pessoas. No caso da vacina da BioNTech/Pfizer, a criação e os testes iniciais da vacina apenas demoraram 4 meses, sendo que o restantes período foi dedicado essencialmente aos testes de eficácia e segurança em seres humanos.

Vale a pena esperar?

Photo by Martin Sanchez on Unsplash

Se tiveres a oportunidade de ser vacinado contra a COVID-19, fá-lo assim que poderes. O argumento “vou esperar para como as outras pessoas reagem” não tem muito peso, explico porquê: tomando novamente por exemplo a vacina da BioNTech/Pfizer, mesmo que sejas a primeira pessoa na fila para a tomar já mais de 20 mil pessoas já o fizeram antes de ti, porque participaram nos ensaios clínicos. Essas pessoas fazem parte de um grupo de mais de 43 mil voluntários que foram altamente monitorizados por equipas médicas e científicas que produziram resultados autorizados por entidades independentes. E isto é apenas para uma das várias vacinas disponíveis. A minha pergunta é: se 43 mil pessoas não servem para que tenhas confiança no fármaco, quantas servem?

Faz algum mal esperar?

Photo by Marcelo Leal on Unsplash

Surpreendentemente, sim. Para que nós em Portugal possamos regressar à normalidade é necessário que exista um número suficiente de pessoas imunes para que o vírus não possa circular entre nós, quanto mais adiarmos isso, mais pessoas ficam gravemente doentes, algumas delas poderão eventualmente falecer. Cada pessoa que se vacina contribui para a imunidade da população, e como tal, oferece alguma proteção às pessoas que convivem com ela. E não é só isso, há pessoas que têm condições de saúde que fazem com que estas sejam incapazes de ser vacinadas, tais como pessoas que sejam imunocomprometidas, bebés ou doentes oncológicos em tratamento. A única proteção que estes podem benificiar é da das pessoas em seu redor. Por isso, sem que demos conta, ao não nos vacinarmos estamos ativamente a contribuir para o perigo das outras pessoas. Naturalmente que só deve ser vacinado quem tem indicação médica para tal.


Atualizado a 24.12.2020:  clarificação de uma imprecisão quanto à imunidade de grupo


Inserir o endereço da instância